terça-feira, 3 de março de 2009

Fulminante


EU venho de uma família meio esquisita, do lado da minha mãe digo. Começa que minha avó era rezadeira oficial de Amargosa, cidade do interior da Bahia. E não sei se vocês sabem, mas o catolicismo fanático das cidadezinhas de interior do Nordeste mistura uso de folha, com caboclo,inventam novos parentes para Jesus, com trezenas de tudo quanto é santo para tudo quanto é coisa... tem ritos diferentes do catolicismo clássico, histórias que envolvem o imaginário e cotidiano sertanejo com leitura da bíblia. Resumindo são uns cristãos politeístas à sua maneira.

Porque os membros da família, "desde tempos imemoriais", nascem com uma mancha vermelha na testa, todos nos achamos meio videntes. O fato é que eu sou um ser praticamente ateu, que não acredito em destino entre outras coisas, embora isso não me impeça de atuar no esoterismo peculiar do qual faço parte.A descrição é a seguinte: quando algo vai acontecer com qualquer um de nós ou seus agregados, todo mundo sonha de diferentes maneiras, e se telefonam pra contar assustados sobre os símbolos, o parente invocado e as precauções. Em geral, ninguém diz ao tal parente sobre os sonhos, apenas dão avisos meio subliminares e zelam durante algum tempo por aquele.Noutras vezes o parente não é citado nos sonhos de todos, apenas de um,ou de nenhum e fica um telefone sem fio, todo mundo se benzendo pra não ser consigo.Geralmente, os sonhos trazem informações distintas sobre uma previsão que é sempre interpretada como una.Uma família desunida como a minha, encontrou nos sonhos um motivo pra dizer que se importam uns com os outros e desde sempre os diabos dos sonhos realmente tem acontecido, sabe-se lá por quais razões.

Eu, sempre achei com meus botões que iria morrer cedo.Mas nunca me senti atormentada, nem sofri com a tal constatação absoluta .Por isso, sempre soube que teria filho cedo (pari aos dezenove anos) e mantenho listas minuciosamente comentadas de melhores filmes e livros da vida, algumas caixas com objetos importantes devidamente legendados e tudo mais. Como se meu filho não pudesse ter acesso a esse material por mim e minhas narrativas, como se ele tivesse de descobrir sozinho. Nesse meu delírio de morte, que serviu de bom pretexto pra organizar, comentar e criticar o material cultural acessado por mim com todas as impressões sistematizadas e referendados quase academicamente, sempre tive a impressão de que eu iria morrer de algo fulminante: um acidente, um ataque cardíaco,um terremoto...de supetão, enfim.

Faz algum tempo que assisti uma psicóloga norte-americana dizer com toda propriedade num programa de tv a cabo que a grande causa das patologias nos seres humanos (que coisa ampla isso) seria o undesirable socializing, ou seja, a socialização indesejada, "fazer o social" como se costuma dizer. Gente, meus olhos brilharam na hora, chega me iluminei: não tem coisa na vida que mais me tire a saúde que isso, serião. Minha cabeça parece que vai explodir, a raiva circula entre o estômago e a garganta, se acumulando no peito e travando os dentes ou desembestando minha fala. É realmente desagradável responder perguntas imbecis de gente que não gosto, que acha que tem intimidade comigo e cujo tom contém uma série de preconceitos acerca de mim e sobre a vida que, francamente, me tiram o vigor. E olhe que eu fico remoendo as palavras por meses. Eu arquivo e cada vez que encontro com cada pessoa eu acesso o fato com todo mal estar que senti em cada ocasião. São eles: alguns parentes, ou aqueles amigos dos seus pais que acham que te conhecem, ex namorados, ex casos, ex (melhores) amigos, enfim. Ao ver aquela empetecada falando na tv, eu como boa Blimunda por genealogia vi minha causa mortis com toda clareza. Vai ser no dia em que todas essas pessoas estiverem reunidas ,o que não é impossível, num natal ou aniversário (meu pânico de minhas FESTAS de aniversário não é à toa), e elas começarem a falar, a aparecer, a mandar sms, e as imagens começarem a se embaralhar na minha cabeça, enquanto tenho de sorrir e dar respostas...até que começa uma certa confusão mental... vozes, cores, cheiros, palavras, livros rodando junto com o ponche e, então tenho um treco e caio estateladinha no chão, sem chance de reanimar. Podem anotar: ataque fulminante de undesirable socializing.



Obs [1]: De uns tempos pra cá, procuro me desligar do motivo inicial e mantenho as críticas por hobby, mas não guardo mais objetos "especiais", apenas as cartas.
[2]: Festa difere de comemoração. Comemoração eu adoro, sempre são ótimas farras com amigos, pessoas queridas que estão ali por que EU QUERO QUE ESTEJAM.