domingo, 14 de março de 2010

Fada do dente


Para 2010 eu fiz um programa megalomaníaco de metas, bastante especificadas, com planos de contingência e tudo. E, quando eu paro e observo, acredito piamente num encadeamento delas como eixos, engrenagens, sabe? Tem itens que ao dar certo acionam os demais e tudo gira em harmonia e constância (santa palavra). Em contrapartida, curto-circuito nessas peças fundamentais e todo o resto fica comprometido.
Ontem, estava no item "cuidados comigo", na tentativa de ser bonita, tentando manter a frequência dos cuidados, sendo digna com o programa alimentar. E poxa, se eu consigo combater meu senso permanente de inadequação e falta de confiança, por tabela consigo ser regrada nas finanças, na vida acadêmica, como artista (desculpem a palavra, não consigo encontrar outra melhor) e mãe competente; quando não, fico com tanta raiva de mim que a vingança é autossabotagem num nível comprometedor da vida social. Se insegurança foi tag 2009, dignidade lifestyle e materialismo são tags 2010, decidi e pronto.
E como ia dizendo, ontem estava com alguns pontos acima da média no carinho por mim mesma; cheguei do salão de beleza e organizei os preparativos para ir com meu filho ao show gratuito do Buena Vista Social Clube numa praia daqui de Salvador. Feito isso, arrumei a mim e ao Theo e fui alimentá-lo pra podermos sair. Theo estava particularmente ansioso, pedindo que eu desse comida contando a história dum livrinho pop-up que dei a ele recentemente. No clima de brincadeira, em vez de dar de comer na mesa, resolvi fazê-lo na rede (pode perguntar quem é a criança, eu deixo). Numa manobra de brincadeiras trogloditas entre meu guri de pouco mais de dois anos e meio e eu, aconteceu um pequeno acidente: impulso + força impossível de controlar do baby + risada e empurrão + eu segurando um prato = dente quebrado em pedacinhos, sangue escorrendo, beiços e gengivas machucados. Meus, é claro.
Fiquei deprimida, nem foi nervosa, de imediato. É engraçado como eu, de modo bastante consciente, sempre busco referências estéticas para saber como me sentir em determinadas circunstâncias.Imagens simultâneas dos losers de acidentes na dentição, William Macy em Magnólia e esse rapaz aqui+ o clipe Fingi na hora rir * do Los Hermanos ecoavam nas minhas vistas e a cara inconsolável de Theo, embora não chorasse, me paralisaram.
O automatismo com que essas referências vieram à tona me deprimiram por provar minha incapacidade de acreditar em altruísmo, autoestima e autoajuda sem uma pontinha (oi eufemismo) de desconfiança de que tudo se trata sempre do princípio de uma piada cósmica. Se a cartomante disser coisas ruins, irei me deprimir, se disser coisas boas, luminosas e sementes de prosperidade não conseguirei me desvencilhar da possibilidade de ser atropelada na esquina, pra dar sentido à Piada. Invejo muito O mundo onde as pessoas com objetivos lutam e conseguem as coisas,embora eu sempre duvide, até que essas pessoas exibam seus resultados. Invejo muito essa simplicidade, sério.O mundo comigo fazendo metas e me esforçando para ser fiel a elas não cola. Esse maniqueísmo, essa filosofia tão 2+2, tão lé com cré...a vida não pode ser isso, isso é só má literatura, só autoajuda, não faz sentido que a vida seja assim. A vida não pode ter esse modus operandi tão brega, tão alcoólicos anônimos,tão Igreja Universal do Reino de Deus, tão Renato Russo em véspera de morte. A Piada Cósmica,CAOS,obstáculo epistemológico,contingência e acaso parecem em termos estéticos de teoria mesmo, mais sofisticados,atraentes, e portanto, uma filosofia de vida mais aplicável,mais confortável de acreditar, um lugar menos brega de crer.
A carinha de Theo triste, automaticamente ciente de que não sairíamos mais coisa nenhuma e, um silêncio duradouro doeram. Mas doeu bem mais ouvir essa criancinha de dois anos pensativa e triste me dizendo que nem pedido pra Fada do Dente eu poderia fazer, "porque ela só aparece quando o dente tá inteilinho, e o seu, Mama, espatifou em um mooonte de pedaços. Você vai falar com ela mesmo assim, Mamanga?" Theo está começando a perceber o sentido da Piada e isso me preocupa.

SOBRE AS REFERÊNCIAS


* Acho a música meio babaca, mas o clipe onde a menininha super se achando A ADOLESCENTE que paquera e namora e não brinca na comemoração de seus 15 anos ganha uma boneca enorme, pouco tempo antes dos Parabéns, que é cantado com as vozes das tias velhas e o close nela, embaraçadíssima, fingindo rir, é situação emblemática pra mim.
Em Magnólia, William Macy faz o papel de Donnie Smith, um ex-garoto prodígio, ganhador do quiz kid, torna-se um adulto problema, com direito a emprego ridículo, atoleiro de dívidas, plano de humilhação diário aos chefes pra não ser demitido, paixão platônica por um cara com aparelho dentário e que desenvolve um foco obsessivo em pôr aparelho ortodôntico, porque em sua lógica, isso resolveria todos os problemas. O fato é que ele não precisava de aparelho. Mas toda a mobilização em torno do fato (envolvendo um acontecimento sobrenatural) cria uma circunstância onde tudo só fará sentido quando puser aparelho. O tal acontecimento faz com que ele quebre alguns dentes e nesse novo contexto pôr aparelho faz mais que sentido, torna-se necessário.
E o vídeo tosco do garoto tá aqui, porque a autoexposição de fragilidades patéticas faz com que eu crie empatia com este tipo de pessoa.

2 comentários:

Ricardo Siqueira disse...

" vida não pode ser isso, isso é só má literatura, só autoajuda, não faz sentido que a vida seja assim"

haha perfeito!

E todo meu respeito ao Theo que vai sacar antes de você que condicionar as próprias metas como um enorme efeito dominó só podia dar em epic fail mesmo =P

Ricardo Siqueira disse...

pena que tu posta com tão pouca frequencia